domingo, 29 de agosto de 2010

Um pouco de Ernest Hemingway

Ernest Hemingway é uma das figuras mais reconhecidas do Século XX por sua genialidade literária, mas não apenas. Tornou-se uma representação quase mítica de virilidade: bebedor pesado, conquistador, caçador, pescador de mares profundos, aficionado por touradas, e um boxeador de socos intempestivos, dentro e fora do ringue. (...) Em especial, no que concerne ao escritor, sua vida pública era tão plena de experiências, seu mundo interno tão complexo, e ambos tão bem documentados, que é fácil perder o norte navegando em seu passado. Integrar os diversos elementos que influenciaram sua vida psíquica é uma tarefa desafiante, tendo em vista a história familiar conturbada, os estressores psicossociais e o contínuo consumo de álcool que preencheram sua vida.
No que concerne ao trajeto do escritor, sua correspondência pessoal é plena de relatos dos estados de humor anormais que sofrera. Por exemplo, em uma carta de Hemingway para John dos Passos, ele relata em mais detalhes sua experiência depressiva: “Senti aquele gigantesco e sangrento vazio e o nada. Como se não pudesse mais sentir prazer, lutar, escrever, e tudo fosse morte”. Mas a depressão não era o único estado de humor anormal que o escritor experimentava. O primeiro maior biógrafo de Hemingway, um homem que o conhecera em vida, referia-se a ele como um “maníco-depressivo temperamental”, e escrevera que “o pêndulo em seu sistema nervoso oscila periodicamente um arco completo da megalomania á melancolia”(Baker, 1969). Mais tarde, outro biógrafo referiu: “seu humor oscilava tão rapidamente de baixo para cima e então para baixo de novo que alguém poderia quase afirmar que ele estivesse simultaneamente efusivo e deprimido”.(Lynn, 1987).
Oscilações de humor permearam a vida de Ernest Hemingway, e também sua produção literária. Em grande parte do tempo, o escritor apresentou também dependência de álcool, circunstâncias familiares marcadas por instabilidade em suas relações afetivas decorrentes tanto do transtorno de humor quanto do consumo de álcool, traumas encefálicos graves, geralmente em vigência da substância, e uma recorrente idéia de morte, que o perseguia desde o suicídio do pai1. Referia: “Emprego um tempo considerável em matar os animais para não ter de me matar”, mencionando seu envolvimento com a caça, desde a juventude, e, de certo modo, a concomitante presença do suicídio em sua vida, também presente desde então. Terminou por suicidar-se em 1961, já com importante declínio de suas capacidades literárias, de sua funcionalidade e da saúde física, cumprindo, talvez, mais um passo de sua predisposição familiar para o suicídio.
Referência
1) Martin C.D. Ernest Hemingway: a Psychological Autopsy of a Suicide. Psychiatry 2006; 69:351-361
Betina Mariante Cardoso

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