sexta-feira, 30 de julho de 2010

“Vautrin tem razão; a fortuna que é a virtude.”
"O Pai Goriot", Balzac
“— Paris então é um pântano?
— E um curioso pântano — replicou Vautrin. — Aqueles que se enlameiam de carruagem são pessoas de bem; os que se enlameiam a pé são tratantes. Quem tiver a infelicidade de deitar a mão a uma ninharia será exibido na praça do Palácio da Justiça como curiosidade. Se roubar um milhão, será apontado nos salões com uma virtude. Pagamos trinta milhões à Polícia e à Justiça para manter esta moral… Bonito!”

Vautrin, em "Pai Goriot", Balzac
“Um homem que se gaba de nunca mudar de opinião é uma pessoa que se dedica a caminhar sempre em linha reta, um tolo que crê na infabilidade. Não há princípios, só há acontecimentos; não há leis, só há circunstâncias: o homem superior liga-se aos acontecimentos e às circunstâncias para manobrar. Se houvesse princípios e leis fixas, os povos nunca as mudariam como mudamos de camisa.”
Vautrin, em "Pai Goriot"
Balzac
“Se lhe posso dar um conselho, rapaz, é o de reter tanto as suas opiniões como a sua palavra. Quando lhas pedirem, venda-as.”
Vautrin, em 'Pai Goriot", Balzac

A Casa Vauquer

Começa a ser apresentada no primeiro capítulo da narrativa cujo título já lhe faz referência (“Uma pensão burguesa”), possuindo um papel fundamental no romance, pois é neste espaço que a grande parte das ações se desenvolve.
O espaço da pensão Vauquer assume duas funções importantes na narrativa: a de fornecer indícios que antecipam características das personagens que ali habitam; e a de estabelecer uma “ancoragem” da narrativa no “real”.
3.1 Espaço como indício da caracterização das personagens
A apresentação do espaço da pensão Vauquer, ao longo do primeiro capítulo da narrativa, fornece indícios que permitem fazer inferências sobre algumas características dos indivíduos que ali habitam. As referências espaciais apresentadas criam um saber que será refletido sobre as personagens, dando indicações que permitem, de antemão, avaliá-las e as definir socialmente de maneira indireta.
Ao iniciar o capítulo intitulado “Uma pensão burguesa”, temos a primeira referência ao tipo de hóspedes que essa casa abriga: burgueses. Contudo, ainda não é possível afirmar a classe social à qual pertencem. No decorrer do primeiro parágrafo, o narrador nos relata que “essa pensão aceita igualmente homens e mulheres, moços e velhos, sem que jamais a maledicência tenha atacado os costumes desse respeitável estabelecimento” (BALZAC, 1989, p. 23). Assim apresentada, espera-se que as personagens, que ali residam, sejam de ambos os sexos e de idades diversificadas.
Entretanto, na sequência do parágrafo, o narrador nos diz: “é verdade que há trinta anos não se via ali uma moça, e que para um rapaz morar ali era preciso que a família lhe desse uma mesada muito pequena. Em 1819, porém, época em que este drama começa, vivia lá uma pobre moça” (BALZAC, 1989, p.23). A ausência de moças em um local que as aceita remete à falta de condições favoráveis para recebê-las, ou seja, instalações que não estão adequadas a sua presença. E o fato de um jovem somente se hospedar nessa casa se não tiver recursos para pagar uma melhor, define o tipo de classe social que ali habita: classe econômica baixa. Se o local é habitado somente pela classe baixa, se as moças o evitam, se é o último recurso para um jovem, consequentemente pode-se inferir que a estrutura é precária.
A percepção sobre a classe econômica que aluga as dependências da Casa Vauquer confirma-se com as descrições sobre a localização desta. Após indicar a localização geográfica (“Está situado na parte baixa da rua Nova de Santa Genoveva, no ponto em que o terreno se inclina para a rua da Besta de maneira tão íngreme que raramente os cavalos sobem ou descem” - BALZAC, 1989, p. 24), dando ênfase para o aspecto íngreme que afasta o tráfego de cavalos, o narrador, ao reforçar a dificuldade de acesso, reforça também a perspectiva sobre a situação financeira dos hóspedes que ali se alojam. Este aspecto é mais uma vez reiterado, quando, ao longo do mesmo parágrafo, o narrador nos relata:
O homem mais despreocupado ali se sente constrangido, os transeuntes mostram-se tristes, o ruído de uma carruagem transforma-se num acontecimento, as casas parecem taciturnas, as paredes lembram uma prisão. Um parisiense que por lá se perdesse veria apenas pensões burguesas ou instituições, miséria ou tédio, velhice que morre, alegre mocidade aprisionada, forçada a trabalhar. Nenhum bairro de Paris é mais horrível e, digamos de passagem, mais desconhecido. (BALZAC, 1989, p.24)
O sentimento de constrangimento por parte de um homem despreocupado, o fato de o local estar rodeado por “miséria e tédio”, de haver “velhice que morre” e “mocidade aprisionada”, criam uma gradação que remete à pobreza do lugar, que culmina com o vocábulo “horrível”, reforçando a impressão de miséria e precariedade extremas. Após a apresentação da localização geográfica, o narrador apresenta a descrição da estrutura externa, relatando alguns detalhes que antecipam as características psicológicas das personagens como, por exemplo, a descrição seguinte:
Sob a concavidade que essa pintura simula, eleva-se uma estátua representando o Amor. Ao verem o verniz cheio de falhas que a cobre, os amadores de símbolos descobriram nela, talvez, um mito do amor parisiense que se cura a alguns passos dali. Sob o pedestal, esta inscrição meio apagada recorda a data desse ornamento, pelo entusiasmo que testemunha por Voltaire, ao voltar a Paris em 1777: “Seja quem fores, eis teu dono:/ Ele o é, ou foi, ou há de sê-lo”. (BALZAC, 1989, p.25)
Nesta descrição, o verniz cheio de falhas da estátua do Amor oportuniza a inferência de que os hóspedes que vivem na Casa Vauquer não são indivíduos que possuam ilusões acerca do amor inocente e extremado, pois as falhas simbolizam algo que já foi utilizado, mas que perdeu seu vigor, que se desgastou. Tais deficiências do verniz somadas a “os amadores de símbolos descobriram nela, talvez, um mito do amor parisiense que se cura a passos dali” reforçam tal ideia. A inscrição gravada ao pé da estátua demonstra que, apesar de desgastado e falhado, o amor é um ”ser” que subjuga a todos: ”Seja quem fores, eis teu dono:/ Ele o é, ou foi, ou há de sê-lo”. Então, cria-se a perspectiva de que as personagens que habitam a Casa Vauquer de alguma forma passaram ou passarão por experiências amorosas mal sucedidas, sendo esta uma característica psicológica.
Ainda quanto às informações que podem ser apreendidas do espaço em relação às personagens, está a referência ao descaso e à sujeira da estrutura interna da pensão, o que remete ao aspecto da precariedade apontado anteriormente. Este aspecto é diretamente relacionado, pelo narrador, às roupas que portam os hóspedes da pensão: “o espetáculo desolador que oferecia o interior da casa se repetia, do mesmo modo, nas roupas dos moradores, igualmente arruinados” (BALZAC, 1989, p.30), estabelecendo, assim, uma relação de igualdade entre o aspecto da Casa Vauquer e o aspecto das personagens.
3.2 Relações do espaço com o “real”
Nesta narrativa, outra função que pode ser atribuída ao espaço da Casa Vauquer é a função mimética, ou seja, as referências espaciais produzem uma ilusão de realidade, estabelecendo uma relação entre o texto e o extratexto. Ao iniciar o primeiro capítulo, o narrador tenta estabelecer um “pacto de verdade” com o leitor ao utilizar a expressão “All is true” (BALZAC, 1989, p.24) para referir-se à narrativa que irá contar. Tal “pacto” não permanece apenas nessa afirmativa de “verdade”, o conjunto de descrições que segue este enunciado o fortalecerá.
No parágrafo seguinte, buscando localizar com maior precisão a pensão, o narrador revela:
O prédio da pensão burguesa pertence à sra. Vauquer. Está situado na parte baixa da rua Nova de Santa Genoveva, no ponto em que o terreno se inclina para a rua da Besta de maneira tão íngreme que raramente os cavalos a sobem ou descem. Dessa circunstância resulta o silêncio que reina nessas ruas, apertadas entre o zimbório do Val-de-Gracê e o zimbório do Panthéon, dois monumentos que alteram as condições da atmosfera, lançando nela tons amarelados e cobrindo tudo ali com uma sombra por efeito dos tons severos que suas cúpulas projetam. (BALZAC, 1989, p.24)
Neste fragmento, o narrador situa geograficamente a pensão da sra. Vauquer na cidade de Paris. Para isso, utiliza-se de elementos como “parte baixa da rua Nova de Santa Genoveva”; “rua da Besta”; “zimbório do Val-de-Gracê”; “zimbório do Panthéon”, existentes no real, propiciando, assim, que o romance remeta a um saber cultural recuperável fora dele. Esses lugares “ancoram” o romance no real, produzindo a impressão que são um reflexo deste.
Após a localização geográfica, o narrador inicia a apresentação da estrutura da pensão, sendo esta estabelecida do exterior (fachada, jardins, pátios, etc.) para o interior (primeiro pavimento, distribuição dos cômodos, etc.), criando uma impressão de movimento, como se fosse possível acompanhar o olhar do observador. Ao iniciar a descrição da fachada, o narrador aponta:
A fachada da Casa Vauquer dá para um jardinzinho, de modo que fica em ângulo reto sobre a rua Nova de Santa Genoveva, de onde aparece em todo o comprimento. Ao longo dessa fachada entre a casa e o pequeno jardim, corre uma calha de pedra, de uma toesa de largura, diante da qual há uma aleia coberta de areia e orlada de gerânios, louros-rosa e romãzeiras, plantados em grandes vasos de louça azul e branca. (BALZAC, 1989, p. 25)
Nesse trecho, o elemento “rua Nova de Santa Genoveva” é retomado, fortalecendo a impressão de “real” criada pelas menções anteriores. Ocorre, ainda, a agregação de componentes da estrutura física da casa, como a fachada, o jardim, a calha de pedra, a aleia, à narrativa. Tais informações configuram uma descrição que se utiliza de detalhes buscando precisão, de modo que seja possível fortalecer o vínculo com a “realidade”, produzindo um efeito “realista” na obra. Esse efeito é reforçado à medida que se amplia o número de detalhes apresentados como, por exemplo, a enumeração das plantas que orlam a aleia no trecho acima (“gerânios, louros-rosa e romãzeiras”) e a precisão da medida de largura da calha (”uma toesa de largura”).
Ao continuar a apresentação externa da pensão, o narrador, nos dois parágrafos subsequentes à descrição da fachada, apresenta a aspectualização da entrada da casa da sra. Vauquer durante o dia e durante a noite, enfocando as mudanças entre esses dois espaços de tempo:
Durante o dia, uma porta com claraboia e campainha estridente deixa perceber, ao fim da pequena calçada, na parede oposta à rua, um arco com a pintura imitando mármore verde, obra de um artista do bairro. Sob a concavidade que essa pintura simula, eleva-se uma estátua representando o Amor. Ao verem o verniz cheio de falhas que a cobre, os amadores do símbolo descobriram nela, talvez, um mito do amor parisiense que se cura a alguns passos dali. (...)
Ao cair da noite, a porta da claraboia é substituída por uma inteiriça. O jardinzinho, que tem o comprimento da fachada, acha-se metido entre o muro da rua e a parede da casa vizinha, ao longo da qual pende um manto de hera que a oculta inteiramente e atrai o olhar dos transeuntes por oferecer um aspecto muito pitoresco em Paris. (...) Ao longo de cada parede corre uma alameda estreita, de cerca de 21 metros, que leva a um caramanchão de tílias (...). (BALZAC, 1989, p. 25-26)
Neste trecho, as menções “durante o dia” e “ao cair da noite”, somadas às referências espaciais, reforçam o caráter de “real”, pois “ancoram” não só o espaço, mas também o tempo da narrativa na “realidade”. A presença de detalhes como “o verniz cheio de falhas”, “pende um manto de hera que a oculta inteiramente”, “corre uma alameda estreita, de cerca de 21 metros” também reiteram tal caráter, pois a menção de pormenores cria um efeito de particularidade ao cenário descrito, individualizando-o e diferenciando-o.
A seguir, o narrador passa da apresentação externa da pensão para a interna, iniciando pelo andar térreo e por seus cômodos, descrevendo a sala de estar e a sala de refeições:
Essa sala de estar comunica com uma sala de refeições, separada da cozinha pelo vão de uma escada com degraus de madeira e tijolos pintados e encerados. Nada é mais triste à vista que essa sala mobiliada com poltronas e cadeiras estofadas com crinas, com riscas alternativamente opacas e luzidias. Ao centro, vê-se uma mesa redonda com tampo de mármore de Sainte-Anne, enfeitada com esse licoreiro de porcelana branca e ornada de filetes dourados meio apagados, que se vê por toda a parte hoje em dia. Essa sala, muito mal assoalhada, tem as paredes revestidas de madeira até uma certa altura. (...) Pois bem, apesar de todos esses horrores, se a comparardes à sala de refeições, que fica ao lado, achareis essa sala de estar elegante e perfumada como o quarto de vestir de uma senhora. Essa sala, inteiramente forrada de madeira, foi, outrora, pintada com uma cor agora indistinta, que constituiu um fundo sobre o qual a imundície se acumulou em camadas, de maneira a desenhar figuras bizarras. (BALZAC, 1989, p. 26-27)
Essa seleção de elementos e de objetos feita pelo narrador contempla aspectos da sala de refeições e da sala de jantar da pensão, peças essas normalmente frequentadas pelos hóspedes. A apresentação desses cômodos reveste-se de realismo, à medida que os detalhes são mencionados. A maneira como a descrição é realizada, possibilita ao leitor que se ponha no interior de cada uma das salas e direcione seu olhar para os móveis, objetos e demais particularidades que o narrador aponta. O detalhamento e a riqueza de pormenores permitem que se resgatem conhecimentos de fora do texto, estabelecendo, mais uma vez, uma ilusão de “real”.
No decorrer do primeiro capítulo, o narrador passa a descrever, além do térreo, os demais andares que constituem a Casa Vauquer:
O primeiro andar continha os melhores aposentos da casa. (...) Os dois aposentos do segundo andar (...) O terceiro andar compunha-se de quatro quartos (...) Por cima do terceiro andar havia um telheiro para estender a roupa e duas mansardas(...) (BALZAC, 1989, p.29)
Esse trecho cria uma nova impressão de movimento que agora se direciona de baixo pra cima, indo do térreo ao telheiro. A enumeração dos andares e do telheiro reitera o caráter de “real”, pois salienta características estruturais da pensão. A partir dessa apresentação, serão introduzidas as personagens na narrativa, elemento que optamos por não analisar neste trabalho.


Fonte: © Ana Paula Cantarelli 2009
Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid
El URL de este documento es http://www.ucm.es/info/especulo/numero43/cavauque.html
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Brasil

Organização do Romance


O romance O pai Goriot, de Honoré de Balzac, está dividido em seis capítulos: “Uma pensão burguesa”; “As duas visitas”; “A entrada na sociedade”; “Engana-a-Morte”; “As duas filhas”; “A morte do pai”. A narrativa é realizada em terceira pessoa por um narrador que controla todo o saber, sem limitações de profundidade externa ou interna, tendo acesso a todos os lugares, bem como ao passado, presente e futuro. Sua visão é ilimitada.
A narrativa inicia com a descrição da sra. Vauquer e de sua pensão, espaço este em que se desenvolverá a maior parte dos acontecimentos. Em seguida, um a um, os sete pensionistas internos são apresentados, entre eles o protagonista pai Goriot, que dá nome à obra. Goriot é um burguês, ex-comerciante, que enriqueceu com a especulação da venda de trigo, porém, no tempo da narrativa, não passa de um espectro daquilo que havia sido.
Goriot é pai de duas filhas (Delfina e Nastácia), que raramente o visitam. Ambas são casadas com homens ricos, mas, apesar da riqueza de seus maridos, as filhas pedem auxílio financeiro ao pai, o que o leva a desfazer-se, pouco a pouco, de seus bens, chegando a mais completa penúria.
Eugênio de Rastignac, outro morador da pensão, é um jovem provinciano, estudante de Direito, que busca ascender socialmente. Para isso, usa da influência de sua prima, senhora de Beauséant, que o introduz nas altas rodas francesas. Assim, conhece as filhas de Goriot, e através do envolvimento com Delfina, que se torna sua amante, toma conhecimento da exploração que o velho sofre por parte delas. Devido a esse envolvimento, ocorre uma aproximação entre Eugênio e Goriot.
Vautrin, outro hóspede da pensão, percebe a ambição de Eugênio e tenta persuadi-lo a participar de um plano, no qual ele (Vautrin) encomendaria a morte do irmão de Vitorine (outra hóspede da pensão). Com o irmão morto, Vitorine herdaria toda a fortuna do pai. Caberia, então, a Eugênio a tarefa de seduzi-la, casando-se com ela e tomando posse de sua fortuna. Contudo, ele, apesar de indeciso em alguns momentos, acaba por recusar.
Ao longo da narrativa, Eugênio se compadece da forma como as filhas tratavam Goriot, e quando este adoece é Rastignac quem o auxilia. Somente nos seus últimos momentos de vida, é que Goriot percebe que havia sido abandonado pelas filhas, às quais só interessava seu dinheiro. Após a morte do velho, quem toma as providências para seu funeral é Eugênio, pois Delfina e Nastácia sequer comparecem ao enterro. A narrativa termina com Eugênio considerando-se pronto, após suas experiências com Goriot e suas filhas, para fazer parte da sociedade parisiense.
Fonte: © Ana Paula Cantarelli 2009Espéculo. Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de MadridEl URL de este documento es http://www.ucm.es/info/especulo/numero43/cavauque.html
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Brasil
anapaula_cantarelli@yahoo.com.br

Le Pére Goriot
Honoré de Balzac, Old Goriot. Philadelphia: George Barrie & Son, 1897
Autor
Honoré de Balzac
Título no Brasil
O PAI GORIOT
País
França
Gênero
Realismo
Série
A Comédia Humana
Lançamento 1835

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Conhecendo 'O Pai Goriot"

Pai Goriot
Romance de Honoré de Balzac (1834-35), com o título original Père Goriot, pertencente à série "Cenas da Vida Privada". O amor desmesurado de Goriot pelas duas filhas e o abandono a que estas o votam é testemunhado por Eugène de Rastignac, jovem provinciano em busca de um lugar na melhor sociedade parisiense.

Resenha L&PM

Dando prosseguimento à publicação de A comédia humana,a monumental obra de Honoré de Balzac (1799-1850), a L&PM Pocket está colocando nas livrarias O pai Goriot. A comédida humana é o título geral que dá unidade aos 89 romances, novelas e histórias curtas que compõem este grande painel do século XIX, ordenado pelo autor em três partes: “Estudos de costumes”, “Estudos analíticos” e “Estudos filosóficos”. A maior delas, “Estudos de costumes”, com 66 títulos, subdivide-se em seis séries temáticas: Cenas da vida privada (na qual se incui O pai Goriot), Cenas da vida provinciana, Cenas da vida parisiense, Cenas da vida política, Cenas da vida militar e Cenas da vida rural.
Com O pai Goriot, Balzac inaugura o procedimento que se tornou uma das marcas de A comédia humana: o retorno dos personagens nos romances seguintes, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. Esse é o caso, por exemplo, das filhas do pai Goriot, Delphine e Anastasie, que participam de variadas histórias.
Em O pai Goriot, o personagem-título é tratado com desdém pelos outros locatários da pensão da senhora Vauquer. Antigamente um senhor de posses que enriquecera durante a Revolução Francesa, Goriot cria as duas filhas sozinho depois da morte da mulher. Rodeadas de luxo, as irmãs casam e se tornam, respectivamente, condessa de Restaud e baronesa de Nucingen. Goriot, agora velho e falido, é apenas uma má lembrança da origem das moças, que, para evitar os mexericos parisienses, escondem o pai.
Mas, na pensão, dois moradores se diferenciam desse ambiente repleto de pessoas sem futuro. São eles o cínico Vautrin e Eugène de Rastignac, estudante de Direito que acaba se aproximando do pai Goriot. Rastignac é um jovem ambicioso, que, assim como as filhas de Goriot, também quer usufruir do “ouro e do prazer” que Paris oferece a um grupo de privilegiados, e para isso conta com a ajuda do misterioso Vautrin. Essa busca insaciável de Eugène por um lugar de destaque na sociedade francesa expõe, de forma mais ampla, as variadas facetas da condição humana quando essa sucumbe aos domínios do poder. O pai Goriot é um dos mais famosos romances de Balzac. Juntamente com Ilusões perdidas e Esplendores e misérias das cortesãs é considerado o segmento fundamental da espantosa obra de Honoré de Balzac.

Sobre a Obra "O Pai Goriot", de Balzac

O pai Goriot é considerado pelos críticos, juntamente com As ilusões perdidas e Esplendor e miséria das cortesãs a espinha dorsal da extensa obra de Balzac. É em O pai Goriot que o leitor é apresentado a dois das personagens mais celébres do escritor, Eugène Rastignac e Vautrin.
A história centra-se, mormente, apesar do título, na figura de Rastignac. O jovem apoiado pela família de camponeses muda-se para a capital francesa no intuito de estudar Direito. Assim, hospeda-se na pensão da Senhora Vauquer. No local, o jovem trava contato com um estudante de medicina, com Vautrin — um quarentão que vai tentar fazer com que ele veja o mundo doutra maneira — e Goriot. Esse último é um dedicado pai que faz sacríficios inimagináveis por suas filhas. Eugène, no início de sua estada em Paris, leva a sério os estudos, porém essa sede pelo conhecimento jurídico é deixada de lado assim que ele passa almejar uma alta posição na sociedade pariesiense que se dá por meio de dinheiro e indicações. O leitor, ao ler O pai Goriot, notará que Balzac soube captar com maestria a consolidação da burguesia no início dos oitocentos. E, aqueles que gostam de História verão que a burguesia francesa, após a revolução que eclodiu no fim dos setecentos, procurava agir com códigos semelhantes ao da aristocracia; a diferença crucial, porém, é que na sociedade pós-revolucionária o sangue azul não tinha o mesmo valor que o vil metal.
Desviei-me do caminho, retorno, então, ao enredo. Pois bem, Rastignac para galgar posições na sociedade de Paris pede ajuda à prima, uma mulher rica que lhe apresentará, tal como faz Vautrin, os atalhos para colocar-se como um homem célebre no meio burguês. É através dessa parente que o rapaz toma conhecimento de que pai Goriot é pai de duas mulheres ricas da capital francesa. Não entrarei em mais detalhes, pois senão acabarei contando boa parte dos factos que permeiam a história.
Posso dizer que O pai Goriot possuí uma força incrível, a pluralidade de vozes que atravessa o romance demonstra a força de Balzac. O narrador e Vautrin proferem frases que vão desde à filosófia ao discurso científico que estava a brotar no início do século XIX.
Há de se ressaltar também Paris; a cidade, além de ser o palco para as ações do romance, é com certeza a personagem central de várias obras que compõe A comédia humana, em O pai Goriot, isso não poderia ser diferente. A pólis é descrita tanto em sua miséria (a pensão da Senhora Vauquen), bem como no luxo. Porém, esse detalhamento da pobreza não é tão agressivo como nas obras de Zola. Entretanto, já vemos, a partir, dessas descrições como seria a prosa francesa no restante do século XIX.
Ao ler Balzac, sinto-me como se estivesse acompanhando um seriado com várias temporadas, um seriado enorme, uma vez que A comédia humana conta com cerca de 1.300 personagens. Ao longo da leitura, algumas delas aparecem ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. É leitura imperdível!

O Pai Goriot, Balzac


Trecho de 'O Pai Goriot", Balzac


“Logo aparece a viúva, ataviada com sua touca de tule da qual escapam os cabelos de uma peruca mal colocada [...]. Seu rosto velhote, gorducho, do meio do qual sai um nariz de papagaio, suas mãozinhas rechonchudas, sua pessoa roliça como um rato de igreja, seu corpete cheio demais e flutuando, combinam com a sala que recende a desventura, onde a especulação se insinuou e cujo ar quente e fétido a senhora Vauquer respira sem ficar enojada. [...]Enfim, toda a sua figura explica a pensão, como a pensão implica sua figura.”

terça-feira, 27 de julho de 2010

Trecho de "O Pai Goriot", de Balzac



“Ser jovem, ter sede de alta sociedade, estar faminto por uma mulher e ver duas casas abrirem-se para ele! Colocar os pés no faubourg Saint-Germain ao ir à casa da viscondessa de Beauséant, os joelhos na Chaussée-d’Antin ao ser convidado para a casa da condessa de Restaud! Num relance mergulhar de enfiada nos salões de Paris, e acreditar-se bonito o bastante para ali encontrar ajuda e proteção de um coração de mulher! Sentir-se ambicioso o suficiente para dar um magnífico pontapé na corda bamba sobre a qual é preciso caminhar com a segurança de um saltimbanco que não vai cair, e encontrar em uma mulher encantadora a melhor das varas de equilibrista!”

domingo, 25 de julho de 2010

Trecho de "O Pai Goriot", de Balzac






“Após sacudir os galhos da árvore genealógica, a velha senhora concluiu que, de todas as pessoas que poderiam ajudar seu sobrinho, dentre a raça egoísta dos parentes ricos, a senhora viscondessa de Beauséant seria a menos recalcitrante. Escreveu à jovem dama uma carta no estilo antigo e entregou-a a Eugène, dizendo-lhe que, se fosse bem-sucedido junto à viscondessa, ela poderia auxiliá-lo a encontrar-se com os outros parentes. Poucos dias depois de chegar, Rastignac enviou a carta da tia à senhora de Beauséant. A viscondessa respondeu com um convite para um baile no dia seguinte.”


Sobre o romance "O Pai Goriot"


Em 1834 Balzac escrevia a sua futura esposa: “Uma coisa que você não espera é O pai Goriot, uma obra-prima. A pintura de um sentimento tão grande que nada o esgota, nem os atritos, nem as feridas, nem as injustiças, um homem que é pai como um santo, um mártir e um cristão”. Quanto à “obra-prima”, Balzac está coberto de razão. Quanto à descrição do romance, por outro lado, ele não chega nem perto de mostrar toda a sua abrangência.
O pai Goriot é um verdadeiro cruzamento de intrigas e de personagens. Além do personagem-título descrito por Balzac, deparamo-nos com um universo que abarca desde o submundo do crime — representado por um Vautrin misterioso e tentador —, até os toucadores das damas da alta sociedade. Mas o verdadeiro protagonista da ação é Eugène de Rastignac, jovem estudante provinciano almejando sucesso na sociedade parisiense que acaba de descobrir. Trata-se com efeito de um romance de formação no sentido mais estrito da expressão: a aprendizagem da vida social na Paris do século XIX.
Aqui os personagens são criaturas de grande complexidade que vão acabar por formar a base de sustentação de toda a Comédia humana. Com este romance, Balzac inaugura o procedimento do “retorno de personagens”, pelo qual muitos nomes vão ressurgir em diversos outras obras como figuras centrais ou secundárias (é o caso, por exemplo, de Vautrin que, em As ilusões perdidas, tem um papel fundamental na ruína de Lucien de Rubempré). De forma que O pai Goriot acaba servindo como chave psicológica de obras menos cotadas do autor.
O cerne do romance se encontra, portanto, tanto nos dramas pessoais quanto no jogo das relações humanas, nas disputas pelo poder e na conquista de suas ambições, que se apresentam com uma crueza quase imoral — ao menos para os padrões da época: “Veja, o senhor nada será se não despertar o interesse de uma mulher. Precisará de uma jovem, rica, elegante. Mas, se tiver um sentimento verdadeiro, esconda-o como um tesouro; jamais deixe alguém desconfiar dele, pois estará perdido. Deixaria de ser o carrasco para tornar-se a vítima”, sugere a Rastignac a senhora de Beauséant, sua protetora.
Nesse universo — “esgoto moral de Paris”, como apontaram os críticos de Balzac — a aprendizagem do jovem e ingênuo Rastignac precisa passar por diversas tentações, corrupção e até o assassinato. Balzac, precursor do romance moderno e do realismo, não pretende apenas “fazer poesia”. Seu objetivo é maior, a própria concepção de uma Comédia Humana é a prova: ele busca esmiuçar a sociologia da cidade e as opções oferecidas a jovens como Rastignac na vida mundana. Por isso adverte seus leitores que, “após ler os infortúnios secretos do pai Goriot, [o leitor] jantará com apetite, atribuindo sua própria insensibilidade ao autor, taxando-o de exagerado, acusando-o de poesia. Mas que fique claro: este drama não é ficção nem romance. All is true, e é tão verdadeiro, que todos poderão reconhecer os elementos dentro de si, talvez em seu coração”.

Sobre O Pai Goriot, de Balzac






Le Pére Goriot (O Pai Goriot, em português) é um romence de Honoré de Balzac.
Talvez o mais conhecido romande da
Comédia Humana de Honoré de Balzac (1799 - 1850), Le Pére Goriot, publicado pela primeira vez em 1835.
Le Pére Goriot compõe os "Estudos dos Costumes - Cenas da Vida Privada" da
Comédia Humana, monumental obra composta por 89 romances, novelas e outras histórias, de um projeto ainda mais audacioso, de uma obra de 137, conforem seu "Catálogo do que Conterá" a Comédia Humana, de 1845.
Engels, companheiro de Karl Marx, certa vez declarou acerca da obra de Balzac: "Aprendi mais em Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metáde do século XIX, inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade real depois da Revolução Francesa) do que todos os livros de historiadores, economistas e estatísticos da época, juntos" (Carta a Margaret Harkness).


Fonte: wikipedia

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Excelente contribuição de Susana Espindola

Prezada Léa,

Adorei nosso encontro de sábado, consegui compreender muito do Goethe, seu ambiente e sua relevância, e até de mim mesma. Fruto desta cultura europeia-germânica, pude perceber melhor determinadas ações, atitudes, conceitos com os quais convivi toda minha vida.
Agradeço a ti e, se puderes, transmite meus cumprimentos ao professor.
Lamentavelmente estarei viajando no encontro sobre Balzac.
Beijo e toca em frente com a iniciativa.

Susana Espíndola

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Pai Goriot, de Balzac

Entramos no mês de leitura de "Pai Goriot", de Balzac, para o "Porque hoje é sábado" de 28 de agosto. Em breve, neste blog, apontamentos sobre o livro, o palestrante - escritor e editor Ivan Pinheiro Machado-, o contexto histórico e cultural em que nasceu a obra e aspectos relevantes sobre as traduções no Brasil.
O "Porque hoje é sábado" já está acontecendo no Instituto Cultural Brasileiro Norte Americano, na Riachuelo, 1257.
Acompanhem!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Comunicado especial de Profa. Dra. Léa Masina

Queridos amigos participantes do "PORQUE HOJE É SÁBADO" :

Por motivos de força maior, precisei deslocar o local do nosso evento para o Auditório Érico Veríssimo, do Instituto Cultural Norte-Americano (Riachuelo, 1257, quase em frente à Biblioteca Estadual). Acho que o evento sai ganhando ao ser incorporado à programação do Cultural, uma instituição séria e respeitável, ainda que continue sob minha coordenação.

Desse modo, espero encontrá-los todos no dia 17, às 10 horas, nas dependências do Cultural, onde seremos aguardados no Auditório Erico Veríssimo, para ouvirmos a palestra e a abordagem crítica do Professor Doutor Gerson Neuman sobre a obra de Goethe, com ênfase ao livro "Os sofrimentos do jovem Werther". Por favor, prestigiem e compareçam, é muito importante começarmos essa nova fase com a adesão de muitos leitores e com o famoso "pé direito".

Por favor, confirmem suas presenças comigo, estarei aguardando.

Abraço de

Léa Masina

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Contribuições do Prof. Dr. Gerson Neumann ao 'Porque hoje é sábado"

Johann Wolfgang von Goethe – breve biografia

Johann Wolfgang von Goethe nasceu na cidade de Frankfurt am Main, no dia 28 de Agosto de 1749, e morreu na cidade de Weimar, no dia 22 de Março de 1832. Goethe foi um grande nome da literatura alemã. Além disso, foi um pensador que transitou por diversos ramos das ciências. Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do romantismo europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX. Juntamente com Friedrich Schiller foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão Sturm und Drang. Romances, peças de teatro, poemas, escritos autobiográficos, reflexões teóricas nas áreas de arte, literatura e ciências naturais compõem sua vasta produção literária. Além disso, sua correspondência mantida com pensadores, viajantes e personalidades da época é de grande valor como fonte de pesquisa e análise de seu pensamento. Através do romance Os sofrimentos do jovem Werther, Goethe tornou-se famoso em toda a Europa no ano de 1774. Mais tarde, já na sua fase madura e influenciado por Friedrich Schiller, Goethe se tornou o mais importante autor do Classicismo de Weimar. Goethe é até hoje considerado o mais importante escritor alemão, cuja obra influenciou a literatura de todo o mundo.

Ver:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Wolfgang_von_Goethe
http://www.literaturwelt.com/autoren/goethe.html



Crítica

“[…] Werther não é, simplesmente, um romance em cartas assim como A nova Heloísa de Rousseau ou Pamela de Richardson, modelos desse tipo de romance antes da empreitada goetheana. Nessas obras, embora haja uma personagem principal nítida, são as missivas de vários correspondentes que forjam a narrativa. A obra de Goethe é – no entanto e muito antes – o romance de uma alma, uma história interior, que antecipa, inclusive, a opulência psicológica de Afinidades eletivas, uma das obras-primas do autor. O “eu” mostra-se tão forte, o sujeito se evidencia tão vigoroso no romance, que não permite a aparição escrita dos correspondentes e se assegura tão somente na sua própria opinião. Em Werther todas as cartas são escritas pelo herói e apenas emendadas por um suposto editor. [...]”

Por Marcelo Backes, no Prefácio de Os sofrimentos do jovem Werther, L&PMPocket, 2009, p.8.

sábado, 3 de julho de 2010

Email de Léa Masina

Queridos amigos

Neste mês de julho, nosso encontro do "Porque hoje é sábado" será no dia 17 e não no final do mês, como de costume. Isso foi decidido em função das férias de muitas pessoas que se ausentam na segunda metade de julho.

Assim, venho "convocá-los " a ler, de imediato, o nosso Werther. O palestrante é Doutor em Literatura, com Láurea, pela Universidade Livre de Berlin, além de especialista em Literatura Germânica . Atualmente, Gerson Neuman trabalha na UFPEL e virá a Porto Alegre especialmente para participar do nosso evento.

O clima do Werther é muito romântico e sentimental, com descrições de paisagens da natureza, e repleto de sentimentalismo e idealização. Também há as cartas, que dão um toque especial ao romance. Por causa dessa obra, que foi, de início, proibida na Alemanha, desencadeou-se uma onde de suicídios entre os jovens apaixonados... Hoje, isso parece quase impossível!

Leiam a obra, então, para que o encontro com Gerson faça MUITO SENTIDO. Ela foi recentemente publicada pela Abril e se consegue em bancas de revista por menos de 15 reais.

Um abraço e bom final de semana, vou começar a reler o meu exemplar.

Léa Masina