sábado, 24 de abril de 2010

O universo borgeano, por Prof. José Francisco Botelho

Excelente a exposição do Prof. José Francisco Botelho sobre o "universo borgeano", em mais um encontro da programação de "Porque hoje é sábado", coordenado pela Profa. Dra. Léa Masina.
Agradeço pela otima oportunidade de receber os conhecimentos apresentados pelo Prof. Botelho e pela Profa. Léa, além da riqueza da discussão entre o palestrante, a coordenadora e os participantes da aula de hoje.
No encontro de 29 de maio, o tema será o livro "Crime e Castigo", de Dostoiewski, com a palestra do Prof. João Armando Nicotti. Detalhes sobre o livro e o autor serão apresentados no blog, ao longo do mês de maio. Detalhes sobre o palestrante já estão na página "sobre os palestrantes", na barra lateral do blog. Acompanhe!

Um abraço,

Betina Mariante Cardoso
Casa Editorial Luminara

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Fronteira onde Jorge Luís Borges encontra o Brasil

A Fronteira onde Jorge Luís Borges encontra o Brasil - vestígios de uma travessia - Carmen Maria Serralta
"... É meu desejo assinalar alguns aspectos que parecem relevantes quando de sua passagem pelos campos da região noroeste do Uruguai - espaço próximo e em parte contíguo à linha de fronteira com o Brasil - até desembocar na significativa visita a nossa cidade. O assunto é, pois, Borges - o homem e o escritor - na fronteira Brasil-Uruguai. " Leia texto na íntegra
(http://www.celpcyro.org.br/v4/artigos/index.htm)

FONTE: www.celpcyro.org.br

Contribuição de Profa. Dra. Patrícia Lessa Flores da Cunha


TRADUÇÃO E CRIAÇÃO LITERÁRIA NA AMÉRICA LATINA:
O caso Borges

Profª. Drª. Patrícia Lessa Flores da Cunha
PPG Letras- Instituto de Letras, UFRGS

Os aportes teóricos mais recentes advindos das teorias desconstrutivistas e da recepção, da leitura e da produtividade do texto, bem como as relevantes contribuições da pesquisa lingüística, nas suas variantes discursivas e semióticas, ao lado dos novos enfoques da história e geografia das culturas, têm agudizado questionamentos e reflexões que permitem a inserção das questões de tradução nas vertentes das práticas interdisciplinares dos estudos culturais.

Tradicionalmente vista como uma atividade mimética, a tradução agora transcende as noções formais da equivalência, da literalidade e da fidedignidade para, na esfera da cultura, estabelecer relações dialéticas entre espaço e tempo, entre nós e eles. Nesse contexto expansivo, avulta o reconhecimento dos processos de diferença cultural, em que reside o “espaço do novo”, intersticial, que, na visão descentrada de Homi Bhabha e Edward Said, entre outros, elide as transações impostas por fronteiras e limites convencionais.

Bem a propósito, Susan Bassnett denominou essa mudança de ênfase - da base essencialmente lingüística para a da relação contextual - como a “vez do cultural” nos atuais Estudos de Tradução.

A noção cada vez mais incontestada de que o valor - seja estético ou material - é determinado pela cultura torna-se particularmente relevante, se percebermos que tanto os estudos de tradução quanto os estudos culturais se inter-relacionam, no tocante às discussões contemporâneas sobre poder e modos de produção. Entre outras particularidades, ambos reconhecem a importância dos processos de manipulação a que se atrela a produção textual, encarada agora em seu sentido mais amplo; ambos se configuram como campos de investigação precipuamente interdisciplinares, instalados de modo fecundo no escopo dos chamados estudos pós-coloniais.

É nessa dimensão que os propalados conceitos de “tradução cultural” e/ou “transferência intercultural” e, em certa medida, “tradução como reescritura”, apresentam-se sobremodo operacionais e instigantes, na medida em que eventualmente se preocupam com o modo de ser de outras culturas naquilo que lhes é íntriseco e original, e assim lêem e expressam o que, muitas vezes, nelas está implícito.

O fato de privilegiar as fronteiras entre o traduzível e o intraduzível, o dito e o não-dito, na consecução de sua peculiar experiência, transforma a tradução em paradigma, agora essencial, à tentativa de explicar os processos de apropriação, integração, deformação, assimilação do Outro, expresso nas suas múltiplas e variadas ocorrências. Não obstante, esse empreendimento não raro se frustra por estratégias sutis que ou tornam estranho o familiar, ou domesticam/familiarizam o exótico.

Se ler outras culturas equivale a ler o que está subtendido na cultura estrangeira, a “tradução cultural” supõe a construção de um texto paradoxalmente (sub)vertido-“a força dessa tradução radica no fato de que a descoberta do implícito se leva a cabo não apenas no texto de origem como no de destino”. (OVIDI I CARBONELL,1997, p.144)

Nesse sentido, entende-se também a afirmação singular de Haroldo de Campos, quando propõe substancialmente repensar a tradução literária como fantasia, como ficção, ao especular: “Se o poeta é um fingidor, o tradutor é um transfingidor”. Pois é através das possibilidades da transcriação artística, na sua maneira de lidar com as perdas e danos intrínsecos ao ato tradutório, que se viabiliza a permanência do texto literário, em sua condição de traduzibilidade essencialmente histórica. (Mais uma vez lembrando Benjamin, “a tradução é apenas um modo algo provisório de discutir com a estranheza das línguas”.)

Frente a essas idéias, é possível examinar o papel da tradução na obra de escritores brasileiros e latino-americanos, sob a perspectiva de uma relação transcultural que lhe é inerente, decorrente de sua condição histórica e intrínseca capacidade intertextual. Dentre esses, destacamos Machado de Assis, Monteiro Lobato, Erico Veríssimo e Jorge Luis Borges, objetos de nossas pesquisas mais recentes.

Na realização de seu empreendimento ficcional, o escritor-tradutor atualiza mais que nunca a percepção crítica presente na atividade tradutória, e já referida por Paul de Man, na medida em que revela outros e novos enfoques sobre as realidades mesmas. Em muitos aspectos, os tradutores-escritores “constróem” uma poética de tradução que dialoga, quando não raro alimenta, os seus escritos ficcionais.

O caso a ser aqui referido, máxime talvez da contemporaneidade de todas essas especulações, é a ficção-crítica de Jorge Luis Borges, que, segundo o próprio autor, realiza a literatura como tradução – “es consubstancial con las letras y con su modesto misterio/ no problem is as consubstantial to literature and its modest mistery as the one posed by translation”. (BORGES, 1999) Borges reconhece no fazer tradutório uma autonomia ficccional específica, o que lhe confere qualidade literária singular.¹

Para muitos de seus críticos, raramente Borges se apresenta em seus contos como o inventor de uma estória; antes, recebe-a, escuta-a, ou a lê, como se fora dela o destinatário (ou tradutor?) Sua narração implica certa idéia de empréstimo, “adoção tardia”, em que toma para si o encargo de uma estória alheia, estrangeira, recuperando-a, no entanto, com todas as suas marcas de alteridade. Marca textual dessa intenção seria a maneira borgiana de, freqüentemente, começar um relato, recriando a atmosfera de uma fantasia alheia:

“Em Trieste, no ano de 1872, num palácio com estátuas úmidas e instalações sanitárias deficientes, um cavalheiro com o rosto marcado por uma cicatriz africana – o capitão Richard Francis Burton, cônsul inglês - começou uma famosa tradução do Quitab alif laila ua laila, livro que também os rumis chamam das 1001 Noites.” (BORGES, 1982, p. 77)

Essa relação entre “imitação/plágio” e “originalidade/autoridade” remete, sem dúvida, às sempiternas questões da tradução, oscilando entre fidelidade e recriação, e é dada como característica essencial da obra borgiana- sendo assim, não deixa de ser sintomático que o primeiro trabalho publicado (1910), no jornal portenho El País, do muito jovem Borges tenha sido uma tradução- “El Príncipe Feliz”- do conto de Oscar Wilde.

Do ponto de vista de nossa breve reflexão crítica, é sobretudo a partir das teses formuladas em “Os Tradutores das 1001 Noites” que a obra de Borges, ancorada na experiência subjetiva do bilingüismo, justifica a realização de um contínuo indistinto de registros narrativos, onde personagens pretensamente subalternos – tradutores, exegetas, copiadores, intérpretes, bibliotecários, bem como gauchos e cuchilleros – dominam a cena, questionando, em cada eventual traição, a literalidade daqueles.

Por outro lado, em várias de suas formulações críticas, repetidamente Borges reconhece “las dos maneras de traducir”. Uma seria a prática da literalidade, a outra a da perífrase; a primeira corresponderia às mentalidades românticas, a segunda às clássicas. Na visão de Borges, aos clássicos interessaria sobretudo a obra de arte, o “tejido”; jamais o artista e, por extensão, nem seu contexto. Ao contrário, o espírito romântico solicitaria sempre a presença do indivíduo, “el hombre”.

Para Borges, a reverência ao eu justificaria, em parte, a literalidade nas traduções, que ademais implicaria a presença de “lo lejano, lo forastero”, o que é sempre, para o leitor, magia e “belleza”. E explica:

“Las traduciones literales no sólo conducen a la zafiedad y la extravagancia, como señalaba Mathew Arnold, sino también a la novedad y la belleza...Esto nos plantea un interesante problema: una traducción literal ha creado una belleza própria, sólo suya.”(BORGES, 2001, p.85)

No entanto, acrescenta, em outra de suas especulações, a idéia de tradução literal, que concebe como uma metáfora “muy extendida”, podendo inclusive existir nos limites de uma mesma língua, é, em si mesma, um paradoxo, eis que uma tradução não “puede ser fiel al original... letra por letra”. Por isso mesmo, essa (im)possibilidade frustraria o trabalho do tradutor diante de tal expectativa de sua obra:

“Gustación de la lejania, viaje casero por el tiempo y por el espacio, vestuario de destinos ajenos, nos son prometidos por las traslaciones literarias de obras antiguas: promesa que suele quedarse en el prólogo. El anunciado propósito de veracidad hace del traductor un falsario, pues este, para mantener la extrañez de lo que traduce se ve obligado a espesar el color local, a encrudecer las crudezas, a empalagar con las dulzuras y a enfatizarlo todo hasta la mentira.” (BORGES, 1997, p.258)

A segunda maneira de traduzir, para Borges, estaria mais conforme a uma tradição que remontaria à Idade Média; buscaria a perfeição estética absoluta, desdenhando de localismos, “rarezas” e contigências. Não seria mera transposição literal, mas refletiria o trabalho do poeta que, tendo lido uma obra, “la desarrollaba luego a su ser, según sus fuerzas y las posibilidades hasta entonces conocidas de su lengua”. (BORGES, 1997, p.91)

Concebendo a tradução como metáfora de um fazer literário, Borges anuncia:

“ Llegará un día en el que a los hombres les importen poco los accidentes y las circunstancias de la belleza; les importará la belleza misma. Puede que ni siquiera les interesen los nombres ni las biografias de los poetas...Entonces tendremos traducciones no sólo tan buenas (las tenemos ya) como tan famosas, como el Homero de Chapman, el Rabelais de Urqhart, la Odisea de Pope. Creo que éste es un punto culminante digno de ser deseado con devoción.” (BORGES, 1997, p.94-95)

Apesar de eventuais afinidades e simpatias, Borges não estabelece noção de valor ao considerar as duas traduções citadas; no entanto assinala a sua diferença, entre elas e com o original.² E diz: “La diferencia está mas allá de las posibilidades del traductor; depende, más bien, de la manera en que leemos poesía.” (BORGES, 2001, p.81)

Em seu “Credo de Poeta”, é sabido que Borges se assume paradigmaticamente como um leitor:

“Me considero esencialmente un lector. Como saben ustedes, me he atrevido a escribir; pero creo que lo que he leído es mucho más importante que lo he escrito. Pues uno lee lo que quiere, pero no escribe lo que quisiera, sino lo que puede.” (BORGES, 2001, p.119)

Lendo, traduzindo, escrevendo, a poética borgeana, de modo peculiar, preserva o espírito da translatio: fazer ficção é transportar de seu contexto um material já existente para inseri-lo em outro, diferente, novo. Nesse movimento pleno de manipulação, considera o parasitismo e a subordinação, a leitura e sua glosa, a desestabilização das hierarquias e sistematizações, a relação entre o mesmo e o outro, a repetição e a diferença, o próprio e o alheio; para Borges, a literatura só tem sentido quando se move, se desenraiza, coloca em risco sua integridade.³

Assim como os demais escritores-tradutores, em parte graças aos influxos da prática tradutória, Borges permanecerá como escritor universal, ao transformar o legado da tradição literária, belo e contingente como uma tradução, num mundo todo seu, arriscando-se assim na criação de um universo ficcional próprio.

NOTAS
¹“For Borges, translation was a means to enrich a literary work or a literary idea… It informs his ideas about literature and his creative process”. KRISTEL, E. Introduction. In: __________. Invisible work. Borges and translation. Nashville: Vanderbilt University Press, 2002. p.XVI.

² “For Borges, as for Sterne, a translation can bring to light aspects of a work that may be lost on a reader of a original”. KRISTEL, E. Op. cit. p.8.

³ “Leer, glosar, reseñar y traducir son sólo algunas formas evidentes del parasitismo”. HELFT, N. & PAULS, A . Segunda Mano. In: ____________. El factor Borges. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2000. p.112.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSNETT, S. & LEVEFERE, A. Constructing cultures. Essays on literary translation. Clevedon: Cromwell Press, 1998.

BORGES, J. L. Las Dos Maneras de Traducir. In: _________. Textos recobrados. Buenos Aires: Emecé Editores, 1997. p.256-259.

____________. La Música de las Palabras y la Traducción. In: MIHAILESCU, C.-A . (org.). Arte poética. Seis conferencias. Barcelona: Editorial Crítica, 2001. p. 75-95.

____________. Credo de Poeta. In: MIHAILESCU, C.- A . (org.). Op. Cit. p. 119-145.

_____________. Os Tradutores das 1001 Noites. In: ___________. História da eternidade. Porto Alegre: Editora Globo, 1982. p. 75-95. Col. Sagitário. Trad. Carmen Vera Cirne Lima.

___________. The Homeric Versions. In: WEINBERGER, E. (org.) Selected non-fictions. New York: Penguin, 1999.

CAMPOS, H. de. Tradução e Reconfiguração: O Tradutor como Transfingidor. In: COULTHARD, M. & CALDAS-COULTHARD, C.R. (orgs.). Tradução: teoria e prática. Florianópolis: EDUFSC, 1991. p.17-31.

CARBONELL I CORTÉS, O. Traducir al otro. Traducción, exotismo, poscolonialismo. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, 1997. 213p.

HELFT, N. & PAULS, A . Segunda Mano. In: ____________. El factor Borges. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2000. p.103-124.

KRISTEL, E. Introduction. In: __________. Invisible work. Borges and translation. Nashville: Vanderbilt University Press, 2002.

domingo, 18 de abril de 2010

Contribuição da Profa. Dra. Léa Masina

"...Seguem algumas reflexões de Ricardo Piglia, a respeito dos leitores e da percepção borgiana da leitura... Tenho certeza de que gostarão e irão se preparando ainda mais para ouvir e falar sobre Borges no dia 24!"

Léa Masina



RICARDO PIGLIA, O ÚLTIMO LEITOR

Um dos leitores mais convincentes que conhecemos, a respeito de quem podemos imaginar que perdeu a visão lendo, tenta, apesar de tudo, prosseguir. Essa poderia ser a primeira imagem do último leitor, aquele que passou a vida inteira lendo, aquele que queimou os olhos na luz da lâmpada. “Agora sou um leitor de páginas que meus olhos já não vêem”.

Há outros casos, e Borges os evocou como se fossem seus antepassados (Mármol, Groussac, Milton). Um leitor também é aquele que lê mal, distorce, percebe confusamente. Na clínica da arte de ler, nem sempre o que tem melhor visão lê melhor. (...) Em Borges, a leitura é uma arte da distância e da escala”.

Kafka via a literatura do mesmo modo. Numa carta para Felice Bauer, define assim a leitura de seu primeiro livro: “ Realmente, há nele uma incurável desordem, e é preciso aproximar-se muito para ver alguma coisa”.

Primeira questão: a leitura é uma arte da microscopia, da perspectiva e do espaço (não só os pintores se ocupam dessas coisas). Segunda questão: a leitura é coisa de ótica, de luz, uma dimensão da física.

O leitor moderno (...) vive num mundo de signos; está rodeado de palavras impressas (...). O leitor viciado, o que não consegue deixar de ler, e o leitor insone, o que está sempre desperto, são representações extremas do que significa ler um texto, personificações narrativas da complexa presença do leitor na literatura. Eu os chamaria de leitores puros; para eles, a leitura não é apenas uma prática, mas uma forma de vida.

Literatura e sonho: no excesso, é possível entrever um pouco da verdade da prática da leitura; seu avesso, sua zona secreta: os usos desviados, a leitura fora do lugar. Talvez o exemplo mais nítido desse modo de ler esteja no sonho ( nos livros que se lêem nos sonhos). [“alguma vez, você já sonhou que estava lendo ? Com que velocidade você lê em seus sonhos?]

Há uma relação entre a leitura e o real porque também há uma relação entre a leitura e os sonhos, e nesse duplo vínculo, (...) tramam-se as histórias. Há romances (Joyce, Cervantes) que procuram seus temas na realidade, mas entram nos sonhos de um modo de ler. Essa leitura noturna define um tipo particular de leitor, o visionário, o que lê para saber como viver.

A pergunta “o que é um leitor?” é, sem sombra de dúvida, a pergunta da literatura. Essa pergunta a constitui , não é externa a si mesma, é sua condição de existência. E a resposta a essa pergunta – para benefício de todos nós, leitores imperfeitos porém reais – é um texto: inquietante, singular e sempre diverso.

Os rastros de “Tlon” : sempre existe algo de inquietante, ao mesmo tempo estranho e familiar, na imagem concentrada de alguém que lê, uma misteriosa intensidade que a literatura fixou inúmeras vezes. O sujeito se isolou, parece separado do real.

A vida não se detém, somente se separa daquele que lê, segue seu curso. Há um certo desajuste que, paradoxalmente, a leitura viria exprimir. O leitor inventado por Borges se instala nesse espaço. Borges inventa o leitor como herói a partir do espaço que se abre entre a letra e a vida e esse leitor (que freqüentemente afirma chamar-se Borges, mas que também pode chamar-se Pierre Menard ou Hermann Soergel ou ser o anônimo bibliotecário aposentado de “O livro de Areia”) é um dos personagens mais memoráveis da literatura contemporânea. E o mais trágico.

“Tlon. Uqbar, Orbis Tertius” começa com um texto perdido, um artigo da enciclopédia; alguém o leu, mas não consegue mais encontra-lo. O que irrompe não é o real, mas a ausência, um texto que não se tem e cuja busca leva, como num sonho, ao encontro de outra realidade. A falta é imediatamente assimilada ao que foi subtraído. Há nisso um quê político, que remete ao complô, a uma lógica cruel e sigilosa que altera a ordem do mundo. Alguém está de posse do que falta, alguém o apagou. Não é um enigma, nem um mistério; é um segredo, no sentido etimológico (scernere significa “por à parte”, “ esconder”).

No caso de Borges, o imaginário se instala entre os livros, surge em meio à sucessão simétrica de volumes alinhados nas estantes silenciosas de uma biblioteca. “A certeza de que tudo está escrito nos anula e nos transforma em fantasmas”, escreve Borges.

Nesse universo saturado de livros, em que tudo está escrito, só é possível reler, ler de outro modo. Por isso, uma das chaves desse leitor inventado por Borges é a liberdade no uso dos textos, a disposição para ler segundo o interesse e a necessidade. Uma certa arbitrariedade, uma certa inclinação deliberada para ler mal, para ler fora do lugar, para relacionar séries impossíveis. A marca dessa autonomia absoluta do leitor em Borges é o efeito de ficção produzido pela leitura. (...) Em Borges, não se lê a ficção como mais real do que o real, mas o real perturbado e contaminado pela ficção.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poema de Borges


POEMA DE LOS DONES

Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dio a la vez los libros y la noche.

De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden

las albas a su afán. En vano el día
les prodiga sus libros infinitos,
arduos como los arduos manuscritos que perecieron en Alejandría.

De hambre y de sed (narra una historia griega)
muere un rey entre fuentes y jardines;
yo fatigo sin rumbo los confines de esta alta y honda biblioteca ciega.

Enciclopedias, atlas, el Oriente
y el Occidente, siglos, dinastías,
símbolos, cosmos y cosmogonías
brindan los muros, pero inútilmente.

Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
yo, que me figuraba el Paraíso
bajo la especie de una biblioteca.

Algo, que ciertamente no se nombra
con la palabra azar, rige estas cosas;
otro ya recibió en otras borrosas
tardes los muchos libros y la sombra.

Al errar por las lentas galerías
suelo sentir con vago horror sagrado
que soy el otro, el muerto, que habrá dado
los mismos pasos en los mismos días.

¿Cuál de los dos escribe este poema
de un yo plural y de una sola sombra?
¿Qué importa la palabra que me nombra
si es indiviso y uno el anatema?

Groussac o Borges, miro este querido
mundo que se deforma y que se apaga
en una pálida ceniza vaga
que se parece al sueño y al olvido.

Borges, El Hacedor, 1960
Jorge Luis Borges, 1960

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Borges y Yo

BORGES Y YO

Jorge Luis Borges


Al otro, a Borges, es a quien le ocurren las cosas. Yo camino por Buenos Aires y me demoro, acaso ya mecánicamente, para mirar el arco de un zaguán y la puerta cancel; de Borges tengo noticias por el correo y veo su nombre en una terna de profesores o en un diccionario biográfico. Me gustan los relojes de arena, los mapas, la tipografía del siglo XVIII, las etimologías, el sabor del café y la prosa de Stevenson; el otro comparte esas preferencias, pero de un modo vanidoso que las convierte en atributos de un actor. Sería exagerado afirmar que nuestra relación es hostil; yo vivo; yo me dejo vivir, para que Borges pueda tramar su literatura y esa literatura me justifica. Nada me cuesta confesar que ha logrado ciertas páginas válidas, pero esas páginas no me pueden salvar, quizá porque lo bueno ya no es de nadie, ni siquiera del otro, sino del lenguaje o la tradición. Por lo demás, yo estoy destinado a perderme, definitivamente, y sólo algún instante de mí podrá sobrevivir en el otro. Poco a poco voy cediéndole todo, aunque me consta su perversa costumbre de falsear y magnificar. Spinoza entendió que todas las cosas quieren perseverar en su ser; la piedra eternamente quiere ser piedra y el tigre un tigre. Yo he de quedar en Borges, no en mí ( si es que alguien soy) , pero me reconozco menos en sus libros que en muchos otros o que en laborioso rasgueo de una guitarra. Hace años yo traté de librarme de él y pasé de las mitologías del arrabal a los juegos con el tiempo y con lo infinito, pero esos juegos son de Borges ahora y tendré que idear otras cosas. Así mi vida es una fuga y todo lo pierdo y todo es del olvido, o del otro. No sé quál de los dos escribe esta página.


La lectura debe ser una de las formas de la felicidad – Jorge Luis Borges

Conocer a un escritor es entender su universo: sus fuentes literarias, sus temas recorrentes, sus obsesiones y sus sueños. En el caso de Borges, reducir este universo a una selección es un verdadero desafio . Emir Rodríguez Monegal

Quizá la manera más eficaz de acceder al mundo literario que cubre el nombre de Jorge Luis Borges sea aceptar, de una vez, que constituye una literatura dentro de otra literatura.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Preparando a leitura de Borges...

BORGES, EL PALABRISTA (1980 - 1995)

El nacimiento de un poema, de un cuento, surge como algo que yo diviso de lejos. Podríamos usar la metáfora de una isla. Es como se yo viera desde muy lejos una isla. Evidentemente, dada mi lejanía, veo solamente sus límites en el horizonte: su principio y su fin. No alcanzo a divisar sus formas, ni quiénes la habitan como ningún otro detalle específico. Con mis escritos ocurre lo mismo Cuándo yo comienzo a escribir, sé siempre cuáles son el principio y el final del cuento. Acerca de esto nunca tengo dudas. Lo que si ignoro es lo que va a pasar entre ese principio y ese fin, cuándo y dónde se va a situar la historia. Todo eso viene después. Para mí una poesía que describe no es una poesía. Además no sé si se puede describir con una poesía. Quizá con la pintura pueda describirse. En música sucede como con la escritura. Si uno graba el ruido del mar, podría eso denominarse música? En la poesía y en la prosa más que describir situaciones o cosas, se alude, se sugiere. Por ejemplo, Kipling en una de sus poesías decía “quién ha deseado el mar”. Allí no hay descripción. Por el contrario, se ha aprovechado la imagen del mar para sugerir algo, quizá la agitación de un deseo. Por eso, lo más importante en la poesía y en la prosa es el “acento” del poeta, la entonación del acento del poeta. Pienso que el lenguaje poético y el que se utiliza para la prosa se diferencian profundamente del lenguaje oral. Cuándo hablamos no estamos haciendo ni prosa ni poesía. Para ambas es importante el sonido”. Cuándo uno conversa, uno no se cuida del “ sonido”. Por eso una persona que no tiene oído, jamás podrá escribir bién.

Contribuição Profa. Dra. Léa Masina